
Prezado Diretor da SUCOM:
Sr. Claudio Silva,
O senhor Nos chamou de “jovens
inocentes”. Estamos nos manifestando para informar que nós aceitamos a alcunha.
Sim, somos inocentes! Somos inocentes porque nos recusamos a aceitar o desvio
como norma, a transformar o erro em modus
operandi. Somos inocentes porque acreditamos em princípios, em ética, na democracia
regida por leis e no inalienável valor de igualdade entre os homens.
Somos jovens, de todas as idades,
inocentes, idealistas e sonhadores; embora saibamos que é preciso estar muito
acordado pra ser capaz de sonhar com uma cidade na qual o ordenamento do uso do
solo não esteja dado em função do enriquecimento de uma minoria, que ignora a
legislação, na certeza de que o mau funcionamento da máquina jurídica garantirá
a impunidade.
Não só somos inocentes, como
também somos educados, cultos e temos o discernimento (que talvez lhe tenha
faltado) para perceber que um funcionário do Estado que tem a pachorra de declarar,
em uma entrevista a um órgão de imprensa, que o cidadão para quem ele trabalha
é dotado de “malandragem” definitivamente não pode estar alinhado em defender
os interesses de quem ele chamou de “malandro”. Apesar de sermos inocentes, não
vamos fingir que não vimos que o senhor se referiu ao povo baiano nesses
termos. Somos inocentes, mas não podemos aceitar uma política pública que nada
mais é do que o reflexo desse pensamento de que o cidadão baiano deva
colocar-se em subserviência absoluta a quem “chega de navio”. Não importa de
que forma o senhor chegou a tais conclusões, camarotes não podem ser tratados
como política de segurança pública. E, se o Estado (caso o senhor não tenha se
apercebido, seu cargo confere à sua fala o caráter de oficial) identificou a
necessidade de proteger o cidadão de malfeitores, que essa proteção seja
oferecida para todos os cidadãos de bem, sem distinção, e não somente para meia
dúzia de favorecidos; principalmente se o critério de seleção for o fato dos
escolhidos terem “chegado de navio”. Aliás, a despeito do que o senhor possa
ter apreendido dos fatos da ordem da realidade, navios são tão somente um meio
de transporte, assim como qualquer outro. Eles (os navios) não têm a capacidade
-- ou, pelo menos, não deveriam ter -- de conferir qualquer atributo especial
que qualifique uma pessoa a ser protegida pelo Estado.
Somos inocentes porque
reafirmamos a soberania do povo baiano. Soberania que foi conquistada a preço
do sangue de muitas lutas. Somos inocentes porque acreditamos que a função dos
representantes do Estado é unir e coadunar o povo em torno de seus valores,
cultura, tradição e História. Não podemos aceitar um modelo de gestão que crie
categorias diferentes de cidadãos, separados, classificados e ordenados pela quantidade
de dinheiro que cada um dispõe para pagar por serviços cuja razão de ser do
Estado é assegurá-los a todos sem distinção. Gestão que cria ainda mais cisão
em um tecido social já tão corroído pelo destrato e desamparo para com aqueles
cujo suor ajudou a construir a riqueza do nosso Estado.
Somos inocentes porque
continuamos acreditando no estado democrático de direito, mesmo diante das
vistas grossas que a máquina jurídica tem feito ao desfile de irregularidades
relativas ao manejo do espaço urbano, incluindo aí a destruição das últimas
áreas de Mata Atlântica da cidade: perda irreparável de um patrimônio que
pertence à sociedade.
Por falar em sociedade, entre as
muitas colocações desafortunadas que o senhor fez na entrevista ao www.bahianoticias.com.br,
houve a acusação de que o Desocupa estaria promovendo a ruptura do pacto
social. Somos inocentes o suficiente para responder a essa colocação, mesmo
sabendo se tratar de mero sufismo. Ao contrário do que o senhor possa dizer, o
Desocupa nasceu da constatação de que o pacto social tinha sido rompido não
uma, mas diversas vezes, por parte dos que promoveram e/ou permitiram o
desrespeito às leis para beneficiamento próprio.
Por fim, não podemos deixar de pontuar
outra colocação do senhor, que dizia que o movimento em Salvador deveria
chamar-se “Ocupa”, como aconteceu nas demais cidades do mundo inteiro. É nosso
sonho acompanhar o mundo e sugerir a ocupação do espaço público pela sociedade
civil organizada. Contudo, em Salvador, o espaço público já estava ocupado por
camarotes, obras ilegais e demais irregularidades. Acreditamos que o senhor, na
qualidade de diretor da SUCOM, deva conhecer a impossibilidade de dois corpos
ocuparem o mesmo espaço. A dinâmica particular da capital baiana conferiu ao
movimento a necessidade de desocupar para depois ocupar. Portando, não é nada
pessoal, só uma questão de física mesmo.
Assim, Senhor Diretor da SUCOM,
expostas nossas questões, e, sendo ponto pacífico que somos inocentes, damos
continuidade ao debate (sim, ele já começou) e devolvemos a palavra ao senhor,
para que nos responda:
quem são os culpados?
2 comentários:
Pérsio, acreito que o texto escrito por você foi de tamanha grandeza que o Sr. Diretor da SUCOM não terá capacidade para respondê-lo. Acredito que se ele apenas souber interpretar o texto, já está de bom tamanho!
Abraço.
Júlio César/Belo Horizonte/Minas Gerais
Júlio, obrigado pelas palavras. Seu comentário está bem no estilo da resposta. Você é dos meus.
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