2 de março de 2013

Por um novo modelo de representação democrática

Acrópole

Este é um exercício para imaginar uma forma de manter o que as eleições democráticas têm de bom, suprimindo seus aspectos negativos. Se por um lado as eleições democráticas permitem que o povo escolha seus governantes, contudo – ao transformar cada cidadão em um voto –, por outro o modelo democrático adotado atualmente tende a nivelar por baixo, ou seja confere poder a um contingente de pessoas que nem de longe estão preparadas para opinar nos destinos da nação. 


A democracia surgiu na Grécia, mas era muito diferente da que conhecemos hoje. Todo cidadão grego tinha direito ao voto, o problema é que para os gregos só era cidadão uma parte da população, a saber: os homens, livres (não escravos), acima de uma faixa de rendimento específica. Esses mesmos critérios gregos eram o modelo de democracia adotado na época do Brasil Império. Na história recente das nações ocidentais, conseguiu-se com muita luta acabar com a escravidão, estender o direito dos votos às mulheres e até mesmo aos analfabetos. Ou seja, fez-se um esforço hercúleo para incluir o maior número de pessoas possível no processo de escolha dos governantes. Por um lado, obtivemos ganhos, visto que parece razoável que a renda do cidadão NÃO seja um critério determinante para que ele possa ou deixe de poder participar da escolha dos representantes. Por outro, houve perdas enormes. Ao abolir todo e qualquer critério, ao permitir o voto até aos analfabetos, transformou-se o processo político democrático em uma imensa patuscada, que nem de longe reflete os que os gregos objetivavam, quando o conceberam.

Com a inclusão indiscriminada, concedeu-se o poder de escolha a uma massa caracterizada pela falta de cultura e informação, de modo que o espaço do debate político não é mais marcado pelo embate de ideias,  pela  contraposição de pensamentos, de ideologias, mas sim pela contratação dos mais caros profissionais da área de publicidade, capazes de criar – fazendo uso dos recursos que lhe são próprios – mensagens emocionalmente apelativas. O processo político passou a girar em torno dos conchavos entre os partidos, os quais permitem colecionar segundos no no "horário eleitoral gratuito". Não há nenhum político que não conheça as palavras certas para acionar reações nas massa, cujo comportamento mais se aproxima das reações instintivas dos animais, do que do ser humano que está de posse da faculdade racional. Dessa forma, como conciliar o ideal de que "todos tem os mesmos direitos" com a necessidade de manter o campo político salvaguardado das manipulações daqueles que dominam as reações emocionais das massas?

Primeiramente precisamos compreender o que significa "ter direito". Por exemplo, a maneira como nossa sociedade está configurada assegura que todos possuem direito de conduzir um automóvel, o que não significa que qualquer um possa efetivamente fazê-lo. Como se trata de uma atividade cuja imperícia pode acarretar risco de vida, a sociedade concorda e se organiza para gerenciar a inclusão, ou seja, todo e qualquer cidadão tem o direito apriorístico de conduzir, mas para que esse direito seja efetivado, o cidadão concorda em se submeter a um crivo que comprova que o mesmo está de posse dos requisitos mínimos para o desenvolvimento da atividade. Assim, apesar de todos terem direito de conduzir, só pode efetivamente fazê-lo quem está outorgado pelo estado através da CNH. Parece razoável considerar que a imperícia na escolha de um regente estatal seja tão ou mais danosa do que na prática da condução de um automóvel. De modo que faz-se necessário que haja critérios (conforme os gregos já tinham percebido) que habilitem o cidadão para participar do jogo político. Mas sendo assim, como estabelecer tais critérios?

As possibilidades são muitas e, em qualquer frente que se trabalhe, é necessário salvaguardar os direitos que já foram conquistados. Não é justo, nem razoável ao grau de desenvolvimento que já atingimos, que pessoas sejam excluídas pelos critérios do gênero ou da renda, conforme era feito há 200 anos. Se o campo político é o campo da abstração, estará habilitado a participar dele quem for capaz de demonstrar perícia na abstração, e para tal, nada melhor do que um questionário. Atualmente a escolha de um governante acontece em único dia. Todos os eleitores se dirigem as urnas, votam, e em seguida todos terão que se submeter ao resultado do processo. No modelo que estamos propondo, a cada eleição, todos os portadores de títulos de eleitor, seriam convocados dias antes de comparecerem a votação, para responderem um questionário, uma prova. A nota nessa prova habilitaria ou não o indivíduo a votar.

Mas quem criaria essa prova? Os próprios partidos políticos. Há métodos simples de viabilizar a ideia. Vejamos alguns deles. Cada partido indicaria seus representantes para compor a "Comissão para Melhoria da Representatividade Democrática" (CMRD), que seria uma instância independente como o Ministério Público, por exemplo. Digamos que a cada 10 deputados ou senadores, um partido ganharia o direito de incluir uma questão na prova. Assim, quanto mais representantes do partido, mas influência ele teria sobre a prova. Como contra peso, os partidos precisariam definir a si mesmos como "governistas" (ou seja, alinhados com o partido que ocupa o executivo) ou oposição. As perguntas da oposição teria peso maior que as perguntas governistas. Tal mecanismos impediria que engessamento criasse uma bola de neve no qual quanto mais representantes o partido tenha, mais eleitores habilitados ele terá.

As perguntas seriam relativas a acontecimentos do noticiário político e ao conhecimento das diferentes correntes ideológicas. Todas as ideologias devem ser contempladas e para tal, nada melhor do que deixar que cada partido forneça as perguntas. Entre as questões do noticiário televisivo, podemos usar como exemplo perguntas como "Qual o nome do relator do processo do Mensalão?", "Quem é o atual presidente do Senado?". Em relação às diferentes ideologias, não haveria problema em que o partido explicitasse questões "tendenciosas", desde que a pergunta especificasse a que ideologia a questão se refere. Por exemplo: "assinale das alternativas abaixo apenas as sentenças que contém críticas ao modelo neo-liberal" (as respostas poderiam conter: "dilapidação do patrimônio público através da entrega das nossas preciosas empresas estatais a grupos de interesses privados"). Os partidos alinhados com o liberalismo econômico, por sua vez também teriam liberdade para redigir as questões conforme seu próprio ponto de vista, então poderiam inserir "assinale entre as alternativas abaixo apenas aquelas que contém críticas ao modelo desenvolvimentista que usurpa da iniciativa privada e atribui ao estado a responsabilidade de gerar riqueza" (entre as respostas, poderíamos ter "uso político das empresas estatais que gera baixa eficiência e redução do valor de mercado das mesmas"). Como se pode ver, o objetivo das questões não pode ser selecionar eleitores de uma determinada ideologia.

Para que tal reforma seja feita, a primeira mudança necessária é que o voto seja de fato um direito, não uma obrigação (como é hoje). Se a pessoa não quiser se submeter à prova, ela não sofreria nenhum tipo de punição ou penalidade. Na verdade, o eleitor que quisesse votar na próxima eleição, deveria comunicar antecipadamente o TRE, para que este preparasse a avaliação. Isso já reduziria drasticamente o contingente de eleitores, mas mesmo assim, do ponto de vista da logística, seria complicado aplicar a mesma prova a todos os possíveis eleitores. A solução é criar pelo menos 10 provas diferentes. E em cada prova, 10 combinações de gabarito diferentes, ou seja: no modelo 01, as respostas estão organizadas de forma que a opção correta é a letra "A". No modelo 02, a mesma resposta apareceria como letra "B". As provas não precisariam ser aplicadas todas no mesmo dia, porque mesmo que os que já tivessem feito a prova contasse as respostas para quem ainda não fez, não haveria problema, pois o objetivo é justamente fomentar a participação política e não excluir pura e simplesmente. 

Acredito que a criação desse crivo, elevaria em todos os aspectos o campo do debate político, faria o foco sair das campanhas que fazem chantagem emocional e voltaria à razão. Mas tudo que foi escrito acima é apenas o começo da ideia. Admito que ela precisa ser lapidada. O que você teria a acrescentar??? Deixe sua sugestão abaixo, ou comente através do Facebook clicando aqui. Ou através do Twitter, usando a hashtag #CMRD.

Post-scriptum. Aqui entraram algumas considerações feitas a partir dos comentários de quem leu:

01) A primeira objeção feita ao exposto foi a de que o custo seria elevado. Para dar conta desse ponto, consideremos então que cada cidadão só tem direito de fazer uma prova a cada quatro anos. Se passar, ganha a habilitação para votar válida por quatro anos. Se perder, um abraço. Só pode fazer a prova de novo depois de cumprir o ostracismo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Se tal medida for bem aplicada, pode diminuir muito os efeitos negativos da demagogia do atual tipo de democracia, ótima idéia.

Isabel de França disse...

Concordo em tudo que disse no primeiro parágrafo, Pérsio Menezes. As mensagens emocionalmente apelativas é o que chamo de condicionamento aviltante via subjetividade. Os indivíduos são pegos pela emoção, pelo sentimento de menos valia, da noção de desconhecimento (real) e da baixa auto-estima que neles se vão infiltrando de modo sistematicamente insidioso, pernicioso, limitante. A ideologia dominante, enfim, é tomada como verdade, como realidade que não pode ser questionada. Por isso vc dizer – e com razão – das respostas instintivas próprias dos animais apresentadas pelos homens e mulheres, cuja cidadania é um blefe.
O terceiro parágrafo está muito bem escrito - objetivo e claro. Pérsio, é aqui exatamente que faço a distinção entre ser educado de modo heterônimo e autônomo. Podemos dizer que o indivíduo pode conhecer tudo sobre tudo que há fora dele, na polis, mas, desconhece completamente o que há dentro dele – desconhece como pensa, como sente, como seu pensamento é produzido, como seu sentimento é manipulado, etc.
Gostei muito do que escreveu sobre as possibilidades...que são muitas. MAS, acredito VEEMENTEMENTE que estas regras devem ser muito, muito e muito bem pensadas, especialmente se as provas/questionários forem mesmo elaborados pelos partidos.
Do mesmo modo, as questões devem ser muito bem pensadas e não dar margem a interpretações ou usos escusos/partidários, mas, não sendo nem ingênuas nem ladinas, representarem parcela significativa do saber político/eleitoral. Gostei muito da ultima frase deste parágrafo – “Como se pode ver, o objetivo das questões não pode ser selecionar eleitores de uma determinada ideologia.”.
O penúltimo parágrafo é muito interessante e oferece campo para muitas discussões saudáveis acerca do sistema político brasileiro. Pode ser um começo de mudança real no sistema eleitoreiro (para ser eleitoral, de fato!) Fomentar o debate político é tudo que precisamos para começar realmente a mudar as coisas políticas de nossa terra linda e ignorante! A primeira consideração às objeções feitas ( quanto ao elevado custo) mostra claramente que vc está aberto realmente ao debate saudável e isso é excelente para alguém que se diz inclinado à monarquia. Gostei muito do que li. Excelente ideia que deve ser debatida, trabalhada, desenvolvida.